Desde 2011, quando o primeiro corpo de trabalhador foi autoimolado na Tunísia, explodindo a sequência de revoltas conhecida como “primavera árabe” contra essa mistura insuportável de miséria e de impotência, o mundo nunca mais voltou às suas ilusões de curso tranquilo. Ele não voltará mais. O mundo no qual crescemos, no qual aprendemos a desejar, a andar, circular, esse mundo acabou. O que dele sobrou é apenas uma fantasmagoria. Não há mais caminho de retorno, não há direitos a assegurar ou democracia a defender. Nossa democracia não está no passado, pois ela não pode estar onde nunca existiu. Ela está na nossa frente, como uma invenção radicalmente coletiva que surgirá quando calarmos de vez a apatia que o poder quer nos impor e à qual nos vinculamos com um prazer inconfesso.
Pois saibam que, contra esse desejo de fazer o mundo desabar, nós ainda veremos todas as forças se levantarem. O fascismo sempre foi a reação desesperada contra a força de uma revolução iminente no horizonte. Se ele voltou agora é porque o chão treme, é porque as fendas estão por toda parte. Ouçam como treme o chão, como há algo que quer atravessar o solo. Não nos deixemos enganar novamente, vivemos uma contrarrevolução preventiva que não temerá nenhum nível necessário de violência para nos calar, que rasgará todos os disfarces para agir mais livremente. Podemos estar perdendo agora, mas porque estamos sem armas. Perdemos a coragem de levantar nossas armas, de recusar pactos e conciliações que servem apenas para preservar a violência contra nós mesmos. Como animais acostumados à paisagem estável, preferimos acreditar que a tempestade acabará por passar. Mas a tempestade só acabará quando rasgarmos as nuvens negras que foram empurradas para cima de nossas cabeças. E precisamos de todas as formas de armas para isso. Tudo é necessário agora, desde que tenhamos a consciência do não retorno, desde que tenhamos o desejo de sermos ingovernáveis.